Olá, amigos!
Eu tenho certeza que vocês estavam ansiosos aguardando mais uma entrevista da coluna Minha Estante.
Pois bem, estão preparados para conhecer mais um linda coleção de quadrinhos? Tem certeza?
Pergunto isso por que depois de conhecer o acervo do Ricardo Bittencourt a lista de itens do sonhos vai aumentar consideravelmente. Mas não se preocupem, se a grana estiver curta nosso entrevistado deu algumas dicas de webcomics sensacionais!
Espero que curtam e comentem.
Olá, Ricardo! Obrigado por topar essa conversa! Para começar gostaria que você se apresentasse aos nossos leitores.
Olá, eu sou o Ricardo Bittencourt, mas as pessoas me conhecem mais como RicBit. Moro atualmente em Belo Horizonte, tenho 35 anos, e comecei a ler gibis bem cedo, começando com Disney e Turma da Mônica.
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Quando criança, eu morava bem perto do estúdio do saudoso Ely Barbosa, e sempre passava por lá me oferecendo pra desenhar gibis pra ele (eu tinha por volta de 10 anos na época, claro que nunca fiz nada a sério lá, mas ele sempre me dava uns model sheets para eu treinar). Em casa, eu fazia meus próprios gibis, sendo que o mais engraçado dessa época era “O Homem que Usava Calcinha“. Esse gibi ganhou até um remake recente feito pelo Vitor Cafaggi:
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Com o tempo eu fui deixando o desenho de lado pra me dedicar à minha outra paixão: as ciências exatas. Fiz o curso técnico de eletrônica, me formei na USP em telecomunicações, e atualmente trabalho como engenheiro no Google. Mas a paixão por gibis sempre se manteve.
Aproveite o espaço e faça um jabá dos seus blogs e também o da sua esposa, que pelo que sei é uma baita ilustradora!
Eu tenho vários blogs, tem uma lista completa deles no meu perfil no Google+. O meu blog principal, o Brain Dump, é sobre ciência e tecnologia, mas tem dois outros que são sobre quadrinhos: e o Gibis Autografados, onde eu conto curiosidades sobre a minha coleção, e o Pacotinho de Gibis, que era um blog onde eu escrevia resenha dos gibis que eu lia na semana (mas tem um tempo que não atualizo). Além disso, eu também escrevi uma máquina de busca para gibis, o Gibit.
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Essa coisa de quadrinhos é tão pervasiva na minha vida que eu acabei casando com uma quadrinista! A minha esposa, Ila Fox, mantém um blog que é atualizado diariamente com desenhos. Dentro do blog ela desenvolve algumas webcomics, as mais populares são as tirinhas do Ovelhinho e da Foxzilla. Na última Rio Comicon ela também lançou o primeiro gibi impresso dela, o Ilações de Ila Fox #1, com uma coletânea das melhores tirinhas do primeiro ano do blog.
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Vou mudar um pouco a ordem das perguntas que costumo fazer e já matar a curiosidade dos leitores. Quantas HQs você tem?
Ahn, eu não sei. Recentemente eu comecei a catalogar os gibis que tenho em casa, a lista até agora tem 2084 gibis. Ainda tem um punhado que eu não cataloguei, e um outro tanto que ainda está na casa dos meus pais, então eu imagino que o total deve ser em torno de 3000 gibis.
Mas a coleção não vai crescer muito mais que isso. Eu costumo dizer que coleções de gibis tendem a seguir cinco níveis de evolução:
Nível 1: Você compra gibis para ler.
Nível 2: Traduções nacionais não são o suficiente, você precisa dos originais.
Nível 3: Encadernados originais não são o suficiente, você precisa das primeiras edições.
Nível 4: Primeiras edições não são o suficiente, você precisa delas autografadas pelo autor.
Nível 5: Reproduções autografadas não são o suficiente, você precisa da arte original.
Eu estou no nível 4, então eu não tenho mais barato em ficar comprando grandes quantidades de gibis, um único autografado eu acho bem mais legal. Os poucos que ainda compro são para completar coleções de quando eu estava no nível 3. Não sei se vou chegar no nível 5 um dia, nesse ponto os preços são mais altos do que eu estou disposto a pagar.
E quando foi que se transformou de leitor ocasional de quadrinhos para um colecionador aficionado?
Eu era um leitor ocasional quando era criança. Na época do colégio técnico, por uma feliz concidência, eu morava bem perto da Gibiteca Henfil, e aí eu passei de leitor ocasional para leitor obstinado (nessa época a Gibiteca ainda era na Sena Madureira). Passava tanto tempo na Gibiteca, que provavelmente eu li o acervo inteiro da época. Já a transição de leitor para colecionador aconteceu por uma série de fatores. O primeiro é que a Gibiteca não estava recebendo gibis novos, então eu mesmo tinha que comprar se quisesse ler histórias recentes. Mas comprar com os dinheiro dos pais não rola, então a coisa só ficou séria quando eu comecei a trabalhar e ganhar meu próprio dinheiro. Por fim, eu perdia muito, muito tempo dentro de ônibus, metrô e trem em São Paulo, e por isso, sempre precisava ter alguma coisa para ficar lendo. Por conta disso tudo, eu acabava comprando quase tudo que saía em banca.
Qual foi seu primeiro personagem favorito? Ele ainda ocupa esse posto ou alguns detratores conseguiram, depois de escreverem tantas histórias ruins, rebaixá-lo?
O meu primeiro personagem favorito foi o Tio Patinhas, então eu dei sorte, nunca cheguei a ler nada que fosse muito ruim (o povo que começou a ler com a Marvel certamente se saiu muito pior). Quando eu era pequeno, ganhei de um tio uma coleção enorme do Disney Especial, que era uma coletânea temática de quadrinhos Disney. Nessa série tinha histórias excelentes, como aquela que o Patinhas disputa com o McMoney pra ver quem tem mais dinheiro, e a disputa só se resolve comparando quem tem mais barbante; ou aquela outra onde eles vão para o cinturão de asteróides e ligam uma corda entre um planetóide habitado mas estéril, e outro que era opulento mas inabitado. Acho que eram todas do Carl Barks. A mais memorável é certamente a Lost in Andes, onde o Donald vai procurar ovos quadrados em Macchu Picchu. Hoje em dia o pouco que acompanho do Tio Patinhas são as histórias do Don Rosa, aquela mini série com a origem do Patinhas foi excelente e está definitivamente à altura do Barks.
Quais são os principais itens da sua coleção, aquelas séries ou volumes que são as meninas dos olhos de sua estante
Tem muitas séries que eu lia na versão traduzida da Abril, mas acabei comprando depois no original. A Abril tinha o péssimo costume de cortar páginas das histórias, então além de perder na tradução você ainda perdia algumas páginas de arte. Por exemplo, uma coleção que eu fechei foram todas as edições de Excalibur desenhadas pelo Alan Davis.
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Na versão traduzida você perdia a contra-capa, que sempre tinha alguma arte bacana. O Excalibur era um pouco mais caro que os outros gibis da época, e por isso a contra-capa vinha com um desenho extra de brinde.
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Ainda do Alan Davis, eu tenho o Uncanny X-Men Annual #11, com uma história que eu não lembro de ter sido publicada no Brasil. Tenho também o Modern Masters: Alan Davis, que é uma entrevista de cem páginas, cheia de sketches, publicado pela TwoMorrows.
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No tópico do Excalibur, outra série que não sei se saiu no Brasil foi o X-Men: True Friends. Esse tem uma história curiosa, o roteiro era para ser um especial do Excalibur, mas quando o Claremont saiu/ foi chutado da Marvel, arquivaram a história. Depois, quando o Claremont voltou, ressuscitaram o roteiro.
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Uma curiosidade dessa série é que foi a primeira aparição canônica do Mr. Raven. Na história, a Kitty e a Phoenix voltam no tempo até a época da Segunda Guerra, e lá elas encontram a Irene Adler e o Mr. Raven. Nas histórias originais dos X-Men sempre ficou implícito que a Sina e a Mística eram amantes, e aqui o Claremont deixa explicíto como isso rolava: a Mística virava homem de vez em quando. A conclusão imediata é que o Noturno foi inicialmente pensado para ser o filho da Mística e da Sina, pena que a Marvel foi conservadora demais para deixar esse plot ir para a frente.
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Outra série mutilada que fechei foi a primeira série do X-Factor do Peter David. Na versão da Abril, eles pularam a melhor história da série, onde o X-Factor faz uma sessão de terapia com o Dr. Samson, numa história desenhada pelo Quesada.
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Os três abaixo são originais do Arthur Adams. Eu tinha lido essas edições no formatinho da Abril, mas a arte do Adams é muito detalhada, precisa do formato americano para apreciar todos os detalhes:
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Todas as séries anteriores eu fechei comprando em sebos. Já uma série que fechei comprando na época, enquanto saía, foi o Avengers do Kurt Busiek:
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Outra pechincha que garimpei num sebo da Califórnia foram as doze edições originais do Camelot 3000 (e paguei só 10 dólares por elas!)
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Mais uma que tenho todos os originais: Tomorrow Stories, uma das menos conhecidas do Alan Moore. Pena que essa série acabou tão cedo, era excelente. Uma das histórias desse mix, a Cobweb, era desenhada pela Melinda Gebbie, eu pedi para ela autografar o número um para mim na Rio Comicon.
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Outra que eu não resisti comprar foram as edições originais da saga Days of Future Past, Uncanny X-Men #141 e #142.
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Mais recentemente eu tenho comprado algumas bem antigas de um dos meus personagens prediletos, o Bizarro. Essas edições são de 1959, a #255 tem a primeira aparição da Lois Lane Bizarra, e a #263 tem a primeira aparição do Mundo Bizarro (ele ainda era esférico nessa edição, só fica cúbico mais pra frente).
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Ainda na década de 50, a Mad Magazine #33 de 1957. Eu comprei essa por conter uma raridade: o primeiro texto publicado do Donald Knuth. Quem não é da área não deve conhecê-lo, mas ele é o maior cientista da computação ainda vivo. Na falta de comparação melhor, ele é tipo o Einstein da computação.
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Agora imagine a minha surpresa ao descobrir que o primeiro trabalho do “Einstein da computação” foi um quadrinho na Mad, e desenhado pelo Wally Wood ainda por cima!
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Eu tenho um punhado de coletâneas das minhas webcomics prediletas: Wasted Talent, Dinosaur Comics, Perry Bible Fellowship, Questionable Content, Dr. McNinja, Penny Arcade.
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Outra mania que tenho é sempre comprar um gibi local quando vou fazer alguma viagem ao exterior. Na Itália eu comprei um Tex original, na França um álbum do Jodorowski, na Índia vários gibis com lendas locais. A tiragem desses gibis indianos é insana, aqui no Brasil com 100 mil impressos você é um sucesso, mas essas indianas tem tiragem de 8 milhões.
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Quantas HQs autografadas você tem?
Segundo a minha lista online, são 115 autógrafos. O número de gibis autografados é menor porque alguns tem mais de um autógrafo. Metade são de autores nacionais, em uma visita a um evento como a Rio Comicon ou o FIQ você consegue conhecer um monte de gente. Além disso, dos nacionais, uma boa parte é de artistas mineiros: eu gosto de participar dos encontros de quadrinistas que acontecem todo mês por aqui. Sempre que possível, eu tento conseguir os autógrafos com dedicatórias. Isso é uma coisa que os autores americanos curtem bastante. Por lá existe todo um mercado de gibis autografados: um gibi com autógrafo vale uma grana preta no Ebay, por isso muita gente pega autógrafos de autores que nem conhece só para vender depois. Um autógrafo com dedicatória não serve para vender, então os artistas sabem que esse é para a sua coleção particular, e não para comercializar por aí.
Qual foi o autografo mais difícil de conseguir?
O mais difícil foi o do Grant Morrison. Eu estava passeando pelo corredores da SDCC [San Diego Comic-Con] quando vi o Morrison dando autógrafos, e tinha uma fila muito pequena, uns quatro caras só. Na hora eu pensei: “Ueba! Tá pra mim!” e fui lá pro fim da fila. Mas eu devia ter desconfiado né? Quando que o Morrison ia ter fila pequena? Na verdade, as senhas para autógrafo tinham sido distribuídas horas antes, aqueles quatro eram os últimos quatro de um fila de mais de duzentos que já estava quase acabando! Mas eu resolvi arriscar assim mesmo, fui lá no segurança, que era maior que a minha estante de gibi, e falei “e aí tio, rola deixar eu entrar na fila?” Ele falou que não dava, que tinha senha, que eu devia ter vindo antes, que viola o protocolo e tal. Mas aí eu respondi “Mas eu vim lá do Brasil só pra ver o Morrison! Fiquei um sem-número de horas pensando nesse encontro! Você vai impedir o sonho desse terceiro-mundista?! Olha só meu passaporte, sou mesmo do Brasil!” Ele deve ter ficado com pena, respondeu que nem precisava ver o passaporte, pelo meu sotaque já dava pra ver que eu era brasileiro. E aí me deixou entrar na fila. Nessa hora eu agradeci por meu inglês não ser perfeito ![:)]()
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Outro autógrafo complicado foi do Arthur Adams. O encontro fechava às 5:00 pm, e quando deu 4h58 eu estava indo pra saída, quando passo na frente de um estande e vejo o Arthur Adams ali. Fiquei todo animado, eu adoro a arte dele, tenho os originais daquelas histórias dos X-Babies e da saga de Asgard. Eu perguntei o que ele estava vendendo, e tinha um sketchbook lindão por 15 dólares.
Mas aí eu abri a carteira e, dammit, tinha só 2 dólares. Cartão de crédito quase nenhum autor aceita, e a ATM mais próxima ficava do outro lado do evento, até eu tirar o dinheiro e voltar já teria fechado o salão. Aí o jeito foi apelar, “olha, eu não tenho 15 dólares aqui mas queria muito alguma coisa sua”. Ele disse que não tinha pressa, ele vinha pro encontro no ano que vem. Mas aí eu falei “tipo, eu vim lá do Brasil, não sei se consigo vir ano que vem!”
Aparentemente a história de vir do Brasil é boa, no fim das contas por aqueles 2 dólares ele vendeu um poster de Monkeyman and O’Brien, uma série bem bacana que ele fez na Dark Horse.
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Qual o item mais raro da sua coleção?
É engraçado, mas o item mais raro da coleção é bem recente, de 2008. Eu tenho o gibi do Google Chrome, que foi feito pelo Scott McCloud para explicar como funcionava o browser do Google. Esse gibi nunca foi vendido, eles mandaram os originais para jornalistas e bloggers como divulgação, e o pouquinho que sobrou foi distribuído entre os engenheiros.
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Antes do gibi vir a público, o Scott McCloud tinha ido no escritório dar uma palestra sobre quadrinhos, que eu tive a oportunidade de assistir. O Google sempre convida autores para dar palestra no escritório, se você procurar por Authors@Google no youtube vai achar um monte dessas palestras.
Como você guarda suas revistas e quais técnicas usava para conservá-las?
Complicada essa. Eu morava em Interlagos, ao lado do autódromo. Como o nome sugere, o bairro fica entre dois grandes “lagos” (na realidade, as represas Billings e Guarapiranga). Pela localização, o bairro é extremamente úmido, então eu era obrigado a guardar todos os gibis em sacos plásticos e eu não gosto de sacos plásticos, por dois motivos.
O primeiro era que eu usava sacos plásticos genéricos da Kalunga, e com o tempo isso foi deixando os gibis amarelados. Aqui é uma escolha do menor mal: antes amarelado que todo enrugado e grudado pela umidade. O segundo motivo é que aumenta o custo de leitura. Gibis são leituras casuais, eu passo na frente da estante e pego um pra ler. Se tiver que ficar abrindo saquinho antes de ler, eu desanimo e vou fazer outra coisa.
Depois que eu mudei para Belo Horizonte isso ficou bem minimizado. A cidade é bem mais seca, então eu me sinto seguro em deixar os gibis fora do plástico, só tomando o cuidado de colocar uns absorventes de umidade nas prateleiras.
Outra coisa que não gosto são caixas, pelo mesmo motivo. Lugar de gibi é em estante, se ficar dentro de caixa eu nunca vou ter paciência de tirar pra ler, e eu não vejo sentido numa coleção que não é lida.
O hobby de colecionar quadrinhos é repleto de histórias felizes e tristes. Não quero te fazer relembrar momentos ruins, então conta pra gente uma história feliz!
Eu casei com uma quadrinista né? Meus momentos mais felizes acabam envolvendo minha esposa, como o primeiro desenho que ela fez da gente, ou a tirinha de quando nós casamos. Acabei virando um personagem regular nas tirinhas dela.
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Outra história bem bacana foi meu primeiro quadrinho publicado no exterior. Um dos webcomics que eu mais curto é o Wasted Talent, da Jam. O quadrinho é sobre a vida dela como engenheira, e ela escreve desde os tempos da faculdade até a fase profissional atual. Em um certo ponto, ela teve que parar com o quadrinho porque ia casar e passar umas semanas fora em lua de mel. Pra não deixar o webcomic vazio, ela pediu contribuições para rodar como guest comic.
A máxima do escritor é que você deve escrever sobre assuntos que domina. E de engenharia eu entendo, então achei que dava conta de um fazer um roteiro. A Ila desenhou e nós mandamos pra Jam. No fim, ela curtiu tanto que o nosso quadrinho foi logo o primeiro da série de guest comics!
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Eu tive uma boa dose de histórias tristes também, acho que a mais marcante foi quando eu encontrei a filha do finado Dick Giordano. Ela estava vendendo um sketchbook autografado pelo pai, e me disse que eram as últimas edições que o pai tinha assinado antes de morrer.
Mas tem um problema na história. Pra evitar falsificações, sketchbooks costumam ser numerados. E o que ela estava vendendo não tinha numeração:
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Concluí que ela mesma deve ter falsificado a assinatura do pai. Eu achei isso muito, muito triste. Os quadrinhos são uma indústria de merda se um autor tão conhecido como o Giordano deixou tão pouco para as filhas que elas precisam falsificar assinatura para viver ![:(]()
Eu comprei o sketchbook, mesmo sabendo que não era original, para ajudar a guria. Em geral eu não compro gibis previamente autografados, mas abro exceção quando é pra ajudar autores que estão numa fase ruim por causa da indústria leonina que abusava do trabalho deles. Por exemplo, eu tenho gibis autografados pelo Chris Claremont e pelo Marv Wolfman, que comprei da Hero Initiative, uma ong que repassa todas as vendas para autores em necessidade:
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Já que você comentou da San Diego Comic Con, conta pra gente como foi essa experiência?! Sua esposa apresentou algum trabalho por lá ou foi só curtição mesmo?
Eu fui para a SDCC sem querer! Por causa do trabalho, eu preciso viajar muito para a Califórnia. E essa viagem tem um problema: quando você vai pra New York, por exemplo, pode pegar um vôo direto onde você dorme no Brasil e acorda pousando no JFK. Para a Califórnia não dá, sempre tem que fazer uma escala em algum lugar. E o resto do caminho são mais quatro ou cinco horas que você precisa passar acordado e sem internet.
O que eu costumo fazer é comprar alguma coisa em papel pra ler nesse trecho. Naquela vez, eu comprei uma Wizard Magazine, e lá na última página tinha a propaganda da SDCC que seria na semana seguinte. Eu logo pensei “uepa, eis uma boa oportunidade!”
Mas ir para a SDCC marcando tudo uma semana antes é tarefa pra maluco. Ingresso é super difícil de encontrar, eu consegui um único ingresso para o domingo, que é o dia mais vazio do evento. Avião era impossível, todos os vôos para San Diego estavam lotados. A solução foi voar até Los Angeles e fazer o resto do trajeto de trem. E hotel, sem chance. A única vaga que achei foi num quarto minúsculo em um YMCA de San Diego. Nem banheiro o quarto tinha, era um banheiro coletivo para o andar todo.
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Mas apesar da loucura de fazer tudo na última hora, valeu a pena demais. É um passeio que todo gibizeiro tem que fazer uma vez na vida. Você encontra os criadores, pode ver os itens promocionais dos filmes que estão pra sair (nesse ano que fui deu pra ver de perto a nave do Coruja, usada no filme Watchmen), e ainda tem como comprar muita pechincha (é normal encontrar, por exemplo, promoções com dois encadernados da Marvel por 10 dólares).
Depois dessa primeira SDCC eu peguei a manha, e a agora sempre que tenho que ir pros usa à trabalho, confiro no Geek Calendar a data que estou indo. Não importa a época do ano, sempre tem uma convenção de quadrinhos em cada fim de semana, e avião dentro dos EUA é bem barato, você cruza de uma costa a outra pagando menos que uma ponte áerea do Rio para SP.
Se na encruzilhada você tivesse que escolher somente cinco itens da sua coleção, qual salvaria?! Essa é braba né?!
Braba, mas relevante. Uma formulação alternativa é: “o que você faria com sua coleção se tivesse que mudar de país?”. Eu mudei de São Paulo para Belo Horizonte faz quatro anos, e ainda não consegui trazer todos os gibis. E olha que em toda viagem que eu faço pra lá, trago na volta uma mala cheia deles.
Se eu tivesse mudado para o exterior seria pior ainda, aí nem levando aos picados teria jeito. Numa situação dessas, eu acho que iria vender ou doar o grosso dos gibis, e manter só os autografados. O resto sempre dá pra comprar de novo depois.
Você acompanha alguma saga atual envolvendo super-heróis?
A única série de super-heróis que acompanho mensalmente é Invincible, do Robert Kirkman, que é a melhor série de supers desse milênio, muito acima do material que a Marvel e a DC tem publicado nos últimos anos. Invincible é divertido como o Homem-Aranha do Stan Lee, e é dinâmico como os novos X-Men do Claremont e Cockrum, passando longe da descompressão típica do Bendis que assola o mainstream.
Acho que a série funciona muito bem porque o Kirkman abraça os clichês do gênero sem medo. Tem sidekick, tem herói maligno da dimensão parelela, dinossauro que fala e tudo o mais. Além disso, os vilões são memoráveis, quando eu leio até dá vontade de deixar crescer um bigodão viltrumita.
Eu tenho alguns volumes da versão traduzida, mas eles publicam tão lentamente que desisti de comprar. Atualmente Invincible é uma série que eu leio diretamente no tablet. No app da Comixology ele sai no mesmo dia que o print, e várias horas antes do piratão escaneado. A única parte chata é que no tablet não dá para pegar autógrafo ![:)]()
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Tem algum item ou coleção que tem vergonha de deixar em posição de destaque na estante? Eu mesmo deixo lá no fundo minha coleção do Spawn, Heróis Renascem…
Eu tenho alguns itens bizarros na coleção. Acho que o mais curioso é um Youngblood #1 autografado pelo Rob Liefeld. Eu estava passando pelo estande dele, vi o homem sentado lá, e pensei “uai, quem tá na chuva é pra se molhar”. Outro item estranho é uma biografia da Stephenie Meyer em quadrinhos, que ganhei num sorteio.
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Mas eu não tenho vergonha desses itens não, acho engraçado. O que eu tenho vergonha mesmo é de ter os originais do Dark Knight Strikes Again do Miller. Como eu fui gastar dinheiro com essa bomba? É ruim de doer, tenho certeza que isso é uma pratical joke do Miller, ninguém faz uma atrocidade dessas sem ser uma pegadinha.
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Quais são as cinco melhores HQs lançadas depois de 2000?
Difícil hein? Eu não me atrevo a definir quais são as cinco melhores, então vou só citar cinco séries bem legais que me vem à mente. Como eu já falei de Invincible, então faltam quatro.
Eu gosto bastante de Hikaru no Go. O mercado no Japão é muito maior que o nosso, e eles tem espaço para fazer gibi de nicho. Se você gosta de carros, pode ler Initial D, se você gosta de tênis, tem o Prince of Tennis. Se você gosta de jogar Go, tem o Hikaru no Go. Como eu adoro o jogo de tabuleiro, sou fã da série também.
Eu estava comprando essa série em japonês, mas aí a JBC começou a lançar com tradução do Arnaldo Oka, e em tradução do Oka eu confio (nós trabalhávamos juntos em projetos multimídia quando ambos estávamos na USP).
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No mercado impresso americano, gibi de nicho não tem vez, se não for super-herói é muito difícil de publicar. Mas isso não é verdade em webcomics. Na web, os quadrinhos de nicho florescem. Um dos meus prediletos é o xkcd, que é uma série de quadrinhos sobre matemática e computação. Do xkcd eu tenho uma arte original, que o Randall desenhou pra mim quando estava lá na SDCC:
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Outro webcomic que sou viciado é o Questionable Content. Esse é vicio mesmo, um amigo me apresentou a tirinha, e quando eu vi tinha passado um fim de semana inteiro lendo 700 tirinhas do arquivo em seqüência. A história em si é um sitcom no estilo do Friends, mas é um Friends num universo onde é normal ter em casa um robô tarado de estimação.
Eu tenho várias artes dessa série em casa, mas a história mais curiosa é do livro que eu comprei em pre-order. Quem comprasse em pre-order ganhava autografado e com sketch exclusivo, e você podia escolher qual personagem você queria no sketch. Eu escolhi a opção “tanto faz”. Depois, no twitter, o autor falou que todos que escolheram “tanto faz” iriam ganhar um sketch do Bonercat (o Gato do Pau Duro).
Mas acho que ele mudou de idéia, e o meu livro veio com o Pintsize mesmo ![:)]()
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Por fim, New X-Men do Grant Morrison. É uma obra muito rica, com várias leituras possíveis, e uma das analogias que encaixam bem nessa série é a evolução do nerd moderno. De um tempos pra cá ser nerd virou cool, e por que isso não poderia acontecer com mutantes também? Vinte anos atrás você era desprezado e perseguido, mas hoje em dia, tem gente que acharia legal ter um amigo que tem telecinese ou que solta raio pelo olho. E se tem gente que faz bodymod pra ter orelha de elfo, por que não teria alguém que faz transplante de órgãos mutantes só pra ter um super-poder também?
Uma parte curiosa da cultura nerd é que a opressão era tão forte que tem gente que acha ela fazia parte da identidade do nerd. É normal ver por aí o povo dizendo que “esses neo-nerds são só modinha, se você não apanhou na escola você não é nerd de verdade”. Do mesmo jeito, tem personagem que acha que é fácil ser mutante se você é popular como a Jean ou a Emma, mas e quem nasce com asa de mosca e cuspe ácido? Esses continuam amargos, mesmo quando os mutantes em geral são bem vistos. E aí o Magneto vai lá e os recruta pra irmandade.
Esse novo status quo para os X-Men era excelente, foi uma pena que desfizeram tudo assim que o Morrison saiu. Essa série eu também tenho completa no original:
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Você tem alguma “mania de colecionador”, seja para guardar, emprestar ou mesmo na hora de comprar?
Eu não vejo muito sentido em emprestar quadrinhos hoje em dia. Quando alguém me pede emprestado alguma série, eu baixo o .cbr e mando por email. Eu não tenho problemas éticos com isso porque acaba dando na mesma: se eu emprestasse, o autor também não iria ganhar nada.
Para guardar, eu tenho um problema mais mecânico que estético. Como as estantes ficam na sala, junto com o home theater, elas vibram se eu jogar videogame com o som muito alto. Para minimizar isso, eu mudei a ordem dos livros e dos gibis, assim itens como originais americanos e mangás, que usam papel de gramatura baixa, ficam em cima; e gibis de gramatura alta, como as Wizard e as Premiuns, ficam embaixo.
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Quais foram os últimos quadrinhos que comprou? E qual o último que leu? Gostou?
O último que comprei foi o Thor Omnibus, um volumão de 1200 páginas com todas as histórias do Walter Simonson. O que me atraiu nesse volume foi a colorização, que foi refeita pelo Steve Oliff. Eu sou fã do Oliff desde a época do Akira, ninguém tem mais experiência em pintura digital que ele.
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O último que li, ou, na verdade, o último que reli foi Os Passarinhos do Estevão Ribeiro, que eu também tenho autografado. Os argumentos do Estevão são excelentes, se você ainda não leu Pequenos Heróis, corra pra ler!
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Tem algum item que quer muito ter, mas está impossível de encontrar?
O New Mutants #98. Eu gosto muito da série original dos New Mutants, e, dos cem números que saíram, falta só o número 98 para eu completar a série. O problema é que esse número também é a primeira aparição do Deadpool, e como o personagem está na moda agora, os preços dessa edição estão bem altos. Eu sou mão-de-vaca, não tenho a manha de pagar 100 dólares num gibi, ainda mais num gibi do Liefeld.
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Como a indústria é cíclica e eu não tenho pressa, posso esperar até o Deadpool sair de moda e comprar o gibi na baixa. Ou, se der sorte, posso achar num sebo por aí. O truque de comprar gibis antigos nos USA é não procurar nas lojas especializadas, nelas os donos sabem quais gibis são raros e cobram apropriadamente. Já em sebos você encontra edições antigas bem em conta.
Ricardo, muito obrigado pela entrevista! Foi um prazer conversar com você. Deixe um recado para os leitores do Pipoca e Nanquim e colecionadores do Brasil.
Eu é que agradeço pelo espaço. Para os colegas de hobby, a dica que eu dou é sempre tentar ir aos eventos de quadrinhos. Aqui mesmo, no Brasil, tem dois eventos periódicos muito legais: o FIQ e a Rio Comicon, e por lá você sempre pode encontrar vários autores para autografar seus gibis ![:)]()
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Minha Estante é um espaço pra você, colecionador de HQs, mostrar para todo mundo sua coleção, falar sobre prazeres e vicissitudes desse hobby, conhecer outros aficcionados e sentir aquela inveja boa.
Então convidamos a todos que possuem belas coleções de quadrinhos a mostrarem elas aqui!
É só mandar um email para pipocaenanquim@gmail.com dizendo alguns detalhes (números de revistas, itens raros e particularidades) que em seguida combinamos a entrevista.